quinta-feira, 3 de março de 2011

A Falecida

Obra de Nelson Rodrigues

(Zulmira tosse muito)

Madame Crisálida - Quem é?
Zulmira - Por obséquio. Eu queria falar com Madame Crisálida.
Madame Crisálida - Consulta?
Zulmira - Sim.
Madame Crisálida -Da parte de quem?
Zulmira - De uma moça assim, assim, que esteve aqui outro dia.
(Madame, sempre acompanhada pelo garoto de dedo no nariz, abre a porta, a princípio, imaginária)
Madame Crisálida - Sou eu. Vamos entrar.
(Zulmira entra, fechando o guarda-chuva.)
Zulmira - Com licença.
(Madame suspira.)
Madame Crisálida - É preciso estar de olho. A polícia não é sopa. Outro dia fui emão!
Zulmira - Ora!
(Madame começa a embaralhar as cartas ensebadas.)
Madame Crisálida - Quem tem criança, sabe como é!
Zulmira - Natural!
Madame Crisálida - E as minhas são de arder!
(Barulho de criança. Madame ergue-se. Vai ao fundo da cena.)
Madame Crisálida - Pintam o sete!
(Madame ergue-se outra vez.)
Madame Crisálida - Deixei o aipim no fogo. Com licença.
Zulmira - Pois não.
(Madame berra para dentro.)
Madame Crisálida - Vê essa panela, aí, Fulana!
(Madame senta-se, manipulando o baralho.)
Madame Crisálida - Pronto.
Zulmira - Estou numa aflição muito grande, Madame Crisálida.
Madame Crisálida - Silêncio!
(Madame inicia a sua concentração.)
Madame Crisálida - Vejo, na sua vida, uma mulher.
Zulmira - Mulher?
Madame Crisálida - Loura.
(Zulmira ergue-se atônita. Senta-se em seguida.)
Zulmira - Meu Deus do céu!
Madame Crisálida - Cuidado com a mulher loura!
Zulmira - Que mais?
(Madame ergue-se. Muda de tom. Perde o sotaque.)
Madame Crisálida - Cinqüenta cruzeiros.
(Zulmira, atarantada, abre a bolsa, apanha a cédula,que entrega.)
(Madame empurra-a na direção da porta.)
Madame Crisálida - Passar bem.
Zulmira - Passar bem.
(Some a cartomante. Zulmira vai saindo, também, mas estaca, retrocedendo. Está de guarda-chuva aberto. Chama diante da porta imaginária.)
Zulmira - Madame! Madame!
(Nenhuma resposta. Pânico de Zulmira.)
Zulmira - Sou a maior errada de todos os tempos! Deixei de perguntar umas quinhentas coisas! Se meu marido vai ou não arranjar um novo emprego. E se eu tenho alguma coisa no pulmão...
(Bate com o pé, num desapontamento de menina)
Zulmira - Ora!
(Na boca da cena.)
Zulmira - Eu sou burra que dói! (Sai)

Pois é, é essa a cena a ser trabalhada no teatro.
O que eu posso dizer é que cada vez que você lê encontra novos detalhes, novas interpretações.

Pois é Zulmira...você me deixa looouco.

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